As estrelas-do-mar são seres de fantasia: parecem habitantes do céu que vieram dar cor e alegria aos nossos mares e o nome científico que as agrupa numa classe – Asteroidea, reflecte essa condição do nosso imaginário.
E o imaginário humano vai longe: em certos países existe a lenda de que a estrela que os Reis Magos seguiram até ao local onde estava o Menino Jesus, caiu no mar e deu origem a todas as estrelas-do-mar que existem, e entre alguns povos mais antigos, acreditava-se que cada estrela cadente estava na origem de uma estrela-do-mar.
As estrelas-do-mar constituem a classe Asteroidea, que compreende cerca de 1500 espécies reunidas em diversas famílias. São parte dos equinodermes (Phylum Echinodermata), que ainda compreendem outros misteriosos seres do oceano, como os ouriços-do-mar, os pepinos-do-mar ou os lírios-do-mar.
As estrelas-do-mar abundam em quase todas as latitudes e profundidades, podendo ser encontrados até a 9.100m de profundidade. Ocupam uma grande variedade de substratos, como rochas, algas, cascalho, sedimento arenoso ou recifes de coral. Ocorrem, também, em ambientes caracterizados por um alto stress ambiental, como poças de maré, o limite superior da zona intertidal, e praias e costas sujeitos a um elevado hidrodinamismo.
O corpo de uma estrela-do-mar consiste num disco central de onde radiam, geralmente, cinco (ou múltiplos de cinco) braços afilados, que podem ser várias vezes o diâmetro do disco ou pouco se diferenciar do disco quando se trata de espécies pentagonais; muito poucas estrelas são quase esféricas.
O corpo é todo revestido por uma epiderme ciliada, surgindo por baixo a derme que produz e contém o endosqueleto, uma estrutura de muitos pequenos ossículos calcários, de formas definidas mas variadas, e distribuídas de forma regular.

A sua superfície aboral ou superior é geralmente coberta espinhos calcários, os quais são partes do esqueleto, dando um aspecto rijo e áspero se erectos, ou suave e liso quando achatados.
Pequenas brânquias dérmicas (pápulas ou papilas) projectam-se da cavidade do corpo entre os espinhos para a respiração e excreção. Ao redor dos espinhos e pápulas há diminutos pedicelários em forma de pinça, que têm como função manter a superfície do corpo livre de detritos e de pequenos organismos, podendo auxiliar ainda na captura de alimento. O ânus é uma abertura diminuta próxima ao centro da superfície aboral e nas proximidades da placa madrepórita, que em estrelas com mais de 5 braços e em estrelas originadas de reprodução assexuada, podem surgir em número elevado.

A boca encontra-se no centro da superfície oral, virada directamente para o substrato, rodeada por cinco mandíbulas triangulares de placas múltiplas, não possuem dentes e a boca está geralmente protegida por uma espécie de armadura formada pelos espinhos mais internos dos sulcos ambulacrários. Um sulco ambulacrário mediano, orlado de espinhos, estende-se ao longo da superfície oral de cada braço e dele se projectam muitos pés ambulacrários, dispostos em duas ou quatro séries. Na extremidade de cada braço há um tentáculo mole, táctil e uma mancha ocelar, sensível í luz.
A reprodução das estrelas-do-mar é sexuada com libertação dos gâmetas na água e posterior fertilização externa. O ovo fecundado geralmente desenvolve-se numa larva livre-natante de simetria bilateral que sofrerá no decurso do seu desenvolvimento a metamorfose mais complicada para se transformar num adulto de simetria radial.
Este não é o único método de reprodução entre as estrelas-do-mar, algumas delas têm a capacidade de se reproduzirem assexuadamente por fissão, um processo de divisão do corpo que resulta em novos indivíduos completos e funcionais geneticamente semelhantes í “estrela-mãe”; esta reprodução assexuada ocorre quando uma estrela se fragmenta, voluntariamente ou não, perdendo um dos seus braços com cerca de 1/5 do disco central, a estrela-do-mar “mãe” tem a capacidade de regenerar o braço perdido, e o braço perdido tem a capacidade de originar uma nova estrela-do-mar.
As estrelas-do-mar são conhecidas quer pelo seu apetite quer pelas suas estratégias de alimentação. As espécies carnívoras predam sobre esponjas, bivalves, caranguejos, corais, poliquetas e outros equinodermes. Algumas são necrófagas, alimentando-se de peixes e invertebrados mortos, outras ainda são detríticas alimentando-se da matéria orgânica e organismos microscópicos presentes no sedimento, ou ainda suspensívoras alimentando-se de partículas em suspensão.
A eversão ou desenvaginação do estômago durante o processo de alimentação é característico das estrelas-do-mar carnívoras: no caso dos bivalves, a estrela-do-mar coloca-se sobre a presa e com a força dos seus braços e dos seus pés ambulacrários exerce uma pressão crescente (pode atingir 1,3 kg) sobre as valvas do bivalve cujo músculo adutor ao fim de algum tempo se cansa e relaxa. Com uma abertura mínima (0,1 mm) a estrela everte o seu estômago para o espaço criado pela abertura das valvas, que então envolve as partes moles do corpo do bivalve e inicia a digestão propriamente dita. Após a alimentação o estômago é recolhido por contracção e relaxamento dos músculos do corpo.
A importância ecológica das estrelas-do-mar, nomeadamente das espécies mais abundantes, é bastante considerável devido ao seu papel de “predador do topo da cadeia alimentar”: podem alterar a composição das espécies de uma zona intertidal ou de qualquer nicho ecológico, podem provocar sérios danos em recifes de coral.
Neste caso em particular, a Grande Barreira de Coral tem sido alvo desde os anos 60 do século passado de ataques maciços de uma estrela-do-mar, rara até então, a “coroa de espinhos” (Acanthaster planci), que se agarra ao coral com os seus pés ambulacrários, expulsa o seu estômago pela boca e digere o tecido vivo do coral com os fortes sucos gástricos. À medida que avança, deixa um rastro de esqueletos coralinos esbranquiçados. Pelo final da década de 60, estas estrelas tinham consumido cerca de 350 km de do recife de coral australiano e expandiam-se para o oceano Pacífico.
Duas das possíveis causas referenciadas para o aumento exponencial da população desta estrela estão directamente relacionadas com a actividade humana: a utilização de pesticidas e sua consequente disseminação no meio ambiente e a entrada na cadeia alimentar destes compostos através do envenenamento dos organismos planctónicos que servem de alimentação ís larvas das estrelas; e a apanha indiscriminada e sem controlo de um búzio gigante – “tritão gigante”, um dos maiores predadores das “coroas de espinhos” adultas.
A importância económica das estrelas-do-mar é também considerável, principalmente pelos prejuízos provocados pela voracidade destes animais, que são consideradas pragas na ostricultura e nas culturas de outros bivalves, sendo necessário proceder í sua remoção manual para evitar prejuízos elevados. Em determinados países, por exemplo na Dinamarca, faz-se o aproveitamento das estrelas assim removidas para ração animal, nomeadamente de aves.
Outro aspecto económico das estrelas é a sua comercialização como adornos ou como material biológico para instituições de ensino. Esta prática resultou num drástico declínio das populações costeiras de Oreaster reticulatus, uma estrela típica dos mares das Caraíbas mas também costa africana ocidental.
Em inúmeros países existem muitas espécies de estrelas-do-mar ameaçadas de extinção devido í sobre-exploração dos stocks, principalmente devido í apanha para o mercado de adornos ou para o mercado da aquariofilia. Nesses países, como por exemplo no Brasil, a apanha dessas espécies é actualmente proibida, e algumas as espécies receberam o estatuto de “em perigo” como é o caso da espécie Oreaster reticulatus.
Nota:
As estrelas-do-mar comercializadas como adornos e enfeites são importadas, oriundas normalmente de países tropicais ou de países africanos. Apenas algumas espécies, dadas as suas características morfológicas, são consideradas aptas para este efeito; até chegarem ao comércio sofrem vários processamentos químicos para serem inodoras, para manterem a sua consistência e se possível a sua cor, mas na sua grande maioria são tingidas, algumas vezes com cores que não ocorrem na Natureza.
As estrelas-do-mar mais comuns nas nossas praias, pelas suas características, não são adequadas para servirem de enfeites, muitas vezes a alegria de encontrar uma estrela-do-mar e de a levar para casa transforma-se em desilusão, porque estas estrelas-do-mar ao fim de algum tempo fora de água, e sobretudo se forem expostas ao sol, têm tendência a tornarem-se gelatinosas, quase como que a liquefazer-se, perdendo as cores que atraíram os olhares; quando isto não acontece é o cheiro provocado pela decomposição das partes moles que faz o arrependimento.
Internet
Sobre as estrelas-do-mar
http://www.vsf.cape.com/~jdale/science/science.htm
tolweb.org/tree?group=Asteroidea
Sobre a “Coroa de Espinhos” e o seu impacto na Grande Barreira de Coral
http://www.reef.crc.org.au
http://www.aims.gov.au/pages/eflib/cot- ... t-000.html
Bibliografia
Clark, A.M. (1962). Starfishes and their relations. Br. Mus. Nat. Hist., London.
Clark, A.M. e Downey, M.E. (1992). Starfishes of the Atlantic. Chapman & Hall, London.
Hendler, G.; Miller, J.E.; Pawson, D.L. e Kier, P.M. (1995). Sea Stars, Sea Urchins an Allies. Echinoderms of Florida and the Caribbean. Smithsonian Institution Press, Washington.
Nobre, A (1938). Echinodermes de Portugal. Companhia Editora do Minho, Barcelos
Artigo de Dora Jesus, publicado com autorizacao
http://www.naturlink.pt
*para fins de direitos autorais de imagem declaro que a foto usada acima não é de minha autoria e que o autor não foi identificado